A arte de reposicionar o adversário é um artifício refinado, lindo e raro no marketing. Nos tempos atuais, principalmente com o enfraquecimento da propaganda de massa, essa prática não é para amadores mambembes, definitivamente. Leia-se por reposicionar o concorrente, caríssimos leitores, o ato de remover a percepção que o consumidor tem de uma marca e imputar um novo conceito na mente do público em questão. Você deixa de contar sua própria história de uma maneira linear e convencional (fortalecendo assim a narrativa de uma forma muito mais arrojada), coloca seu “inimigo na defensiva” e começa a traçar e comandar o formato de toda conversa da categoria. Anos atrás, por exemplo, a Tylenol resolveu “atacar” a clássica Aspirina, alegando que o medicamento, criado no final do século XIX, provocava dores de estômago. Na época, as vendas de aspirina caíram significativamente. A Pringles, marca da Procter & Gamble, foi reposicionada (depois conseguiu mudar isso) como “artificial demais”, por concorrentes mais antigos como a Borden’s Wise. A batata da P & G caiu de 18% de mercado para 10%.
Também, anos atrás, a BMW, por exemplo, foi bem sucedida reposicionando a Mercedes como a melhor máquina para ficar sentado. Naquela época a Mercedes estava realmente produzindo carros grandes que pareciam limousines. A “sala de estar do automobilismo.” A BMW aproveitou o flanco, atacou e criou seu famoso slogan “The ultimate driving machine”. Um antagonismo aos atributos dos automóveis da Mercedes. Há outros casos. A Listerine e a Lenox também vivenciaram ataques semelhantes.
Dica: A reformatação do concorrente é mais eficiente quando faz parte de um esforço conjunto para mudar a maneira que ele é percebido num grande contexto. Comunicação comparativa pode funcionar, mas um trabalho melhor articulado em diferentes canais (utilizando storytelling) tende a ser mais poderoso. Neste conceito, os profissionais norte-americanos de política muitas vezes dão show. Eles adotam medidas que nem sempre são inéditas, mas sabem usá-las de forma criativa, meticulosa e no momento certo. Isto ficou claro com a campanha de Barack Obama em 2012. Já antes das prévias, a equipe do democrata iniciou um trabalho intenso de reposicionamento do seu adversário, Mitt Romney. A campanha de Romney baseou-se no fato de que a economia estava em apuros e defendia a terceirização de negócios e empregos. Obama agiu rápido e reposicionou seu concorrente como aquele que destruiria a oferta de empregos para os norte-americanos. Boa parte da campanha e dos recursos financeiros foram alocados para caracterizar o republicano como insensível em relação aos milhares de desempregados. Xeque-mate: Romney já não tinha muito mais tempo para pensar em outra estratégia. E muito mais do que isso: a campanha de Obama saiu fortalecida e o presidente passou a ser identificado como um incentivador de criação de empregos e da parceria governamental com empresas para solucionar o problema. A narrativa da marca Obama foi extremamente enriquecida.
A Salesforce também utilizou essa estratégia para garantir o sucesso do seu CRM, que contava com a tão conhecida computação em nuvem (“software como serviço”). Iniciaram uma campanha contra a concorrente Siebel (e alguns outros), que, apesar de ter um produto semelhante, líder de mercado, passou a ser divulgada como antiquada e obsoleta. Claro que a Salesforce também estava oferecendo um software, muito semelhante, mas a forma era diferente, pois destacava uma pseudo nova geração do produto. E, apesar de semelhante, o produto realmente era um avanço em tecnologia. Sim, é necessário estar preparado para o contra-ataque. No caso da Salesforce, quando a Siebel passou a ser comandada pela Oracle, o ataque virou, abordando a segurança dos usuários.
A era digital trouxe novos desafios para o branding e, com certeza, um deles foi a elevada dificuldade de reposicionar o adversário mercadológico. Marcas estáticas, que acreditam que podem prever o mercado, estão mortas. Aquelas que quiserem sobreviver em um futuro bem próximo terão de evoluir diariamente, injetando dinamismo e energia. Esse constante movimento de marcas agindo como verbos foi batizado de “Diferenciação Energizada” por Gerzema e Lebar (A bolha da marca, 2008). Marcas agora são direções. Não são lugares. O novo consumidor (mutante e controlador do relacionamento em um ambiente conectado por valiosas microinterações) olha pro futuro. Ele trata suas opções de modo similar a um investidor na Bolsa de Valores. Quer ser surpreendido positivamente e cada vez mais depositará seu interesse num “portfólio” restrito de marcas com propostas dinâmicas, visionárias e criativas. Se já possui uma promessa fincada, precisa arrancá-la muitas vezes. O novo consumidor quer ser levado para novas estradas. Não adianta mais segurar uma plaquinha com sua promessa por muito tempo. O que isso nos diz? Muitas vezes uma empresa/marca gasta recursos e muito esforço reposicionando um concorrente, mas o seu próprio posicionamento acaba tornando-se irrelevante. Desta forma não é tão benéfico reposicionar o outro.
Há momentos que reposicionar a concorrência não significa negativar ela na mente e coração do consumidor. Também é possível reposicionar seu adversário antes mesmo de posicionar sua marca. Há diversas opções. Estas são pequenas pílulas. Há muito mais. A beleza e a raridade deste marketing move, como podemos ver, são diretamente proporcionais. Empresas e marcas no Brasil estão apenas começando a entender o poder de tudo isso. Que aprendam definitivamente.