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A estratégia do Tylenol180

Hoje é possível dizer que toda e qualquer empresa ou marca pode vivenciar uma situação de crise, não necessariamente tão grave como a do Tylenol.

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O medicamento Tylenol é considerado um dos mais bem – sucedidos cases de gestão de crise de marca em todos os tempos. Nos anos 80, algumas cápsulas de Tylenol foram comercializadas envenenadas com uma substância denominada cianeto. Foi o primeiro evento que se tem notícia de que cidadãos morreram ingerindo um produto farmacêutico que havia sido adulterado. O Tylenolconduziu a gestão desta crise de uma maneira tão apropriada para época, que alguns especialistas em marketing hoje tomam o case do remédio como exemplo a ser seguido. Não se trata de uma coisa fácil. Podemos dizer que o Tylenol lidou com um cenário adverso e emergiu da crise fortalecido, vendo o equity da marca alavancado, e o produto ganhando ainda mais market share.

Hoje é possível dizer que toda e qualquer empresa ou marca pode vivenciar uma situação de crise, não necessariamente tão grave como a do Tylenol, mas com consequências danosas à marca. A internet potencializou o poder de resposta e a demonstração das mais variadas emoções dos consumidores. E mais: o alcance é inevitavelmente global. Alguns exemplos já são conhecidos. O primeiro deles é o caso da rede Domino’s, quando funcionários no ano de 2009 gravaram um vídeo nada apetitoso que ganhou o mundo via internet. Mas há muitos outros. A United Airlines, Amazon, o FDA e a Motrin, uma marca da Johnson & Johnson, também vivenciaram momentos de angústia por conta do conteúdo que circulou no mundo digital. Todos aconteceram nos Estados Unidos, mas aqui no Brasil são diversos os casos de problemas na web enfrentados diariamente por companhias atualmente.

Isso não é necessariamente o fim do mundo. Algumas marcas conseguiram virar o jogo e transformar a crise numa oportunidade. É o conhecido ditado de que de um limão se faz uma limonada. Os especialistas em marketing já definiram esta reversão de cenário radical e muito bem-sucedida como Tylenol 180, em referência ao case de sucesso do remédio no passado.  O que todos estes cases de sucesso têm em comum para que cheguem ao estágio do Tylenol 180? Em primeiro lugar é necessário agir de forma muito rápida. Hoje em dia, ser veloz significa ser extremamente veloz. Novas avenidas de amplificação de conteúdo nascem e se proliferam diariamente. Antes de tudo é preciso entender que só é possível lidar com esta situação, se já houver um trabalho prévio de monitoramento de marca em todos os espaços, inclusive on-line, sendo realizado. Marcas mais preparadas possuem equipes ou se valem de profissionais especializados para desenvolver planos de contingência e monitorar o que acontece no mundo virtual. Monitorar, neste caso, é muito mais do que simplesmente abrir um laptop e ver o que há na internet. A palavra de ordem neste jogo é saber ouvir e aprender diariamente com o que os consumidores estão disseminando sobre sua marca ou empresa neste espaço.

Uma vez que se consegue ouvir o que está sendo discutido sobre sua marca, é preciso, então, agir prontamente com transparência, relevância e autenticidade. A JetBlue, por exemplo, soube resolver esta equação de uma maneira muito eficaz há poucos anos. O CEO na época David Neeleman, que aliás, é dono da companhia Azul, em operação no Brasil, assumiu total responsabilidade no problema que sua empresa enfrentou em 2007 em Nova York. A companhia aérea teve dificuldades no aeroporto JFK e, considerando que o posicionamento da empresa reforça o conceito de viagem divertida e humanizada, Neeleman percebeu de forma perspicaz que o sinal cruzado em que a empresa havia se metido, demandava rápida resposta. David Neeleman produziu, então, um vídeo que optou pelo tom emocional e aparentemente sincero no qual afirmou que todas as providências para evitar longos atrasos e melhorar os serviços da companhia aérea seriam tomadas. Neeleman ainda se desculpou de forma humilde, assumindo o erro. E a condução, vale reforçar, foi toda liderada pelo então presidente da companhia, o que, aos olhos do consumidor, dá muito mais credibilidade à mensagem.
No case Tylenol, que é emblemático, outra ação salta aos olhos para uma gestão de crise inteligente. A empresa, depois do escândalo, passou a entregar mais do que o consumidor esperava. A Johnson & Johnson promoveu recall imediato e trabalhou no redesenvolvimento do produto. Novos atributos foram agregados ao remédio, e os problemas, eliminados.
É válido reforçar que o profissional, gestor da crise ou advisor que vai lidar com a situação deverá realizar uma imersão no negócio da empresa em conflito. É preciso entender como agem os geradores deste boca a boca, ou seja, a qualidade e as características do produto, o atendimento ao consumidor, os call centers, o ambiente interno da empresa, o relacionamento com os diversos públicos da sociedade etc. Tudo com riqueza de detalhes. Esta certamente é a origem deste boca a boca digital. Estar no meio do furacão sem conhecer estes aspectos – ou o que chamamos de “talk drivers” – pode ser fatal.

Vejam como as coisas acontecem. No final da década passada, o músico canadense David Carroll, da relativamente pouco conhecida banda The Sons of Maxwell, solicitou à empresa United Airlines especial atenção no transporte de sua guitarra, que tinha valor físico e emocional. O pedido foi reforçado em diversas ocasiões no contato do músico com a empresa. Durante todo o atendimento, Carroll se irritou com o que descreveu como sendo descaso dos profissionais. O fato é que a guitarra acabou quebrando durante a viagem, e o músico – revoltado – compôs um clipe que virou febre na internet, via YouTube. O título: “United breaks guitars”.
Depois de verificar como atuam os influenciadores, ou seja, os internautas que deliberadamente estão discutindo a marca ou empresa no ambiente web, é preciso conhecê-los mais intimamente. Quem são os (micro) blogueiros que mais impactam na comunidade web? – e aí não estamos falando de blogueiros/jornalistas consagrados, mas, sim, do blogueiro que consegue reverberar suas opiniões nas comunidades. É preciso analisar o tom desta conversa: é jocoso, é imparcial, é emocional etc?. Quais são as chances de a empresa conseguir interagir planejadamente com este público? Uma forma maravilhosa de se identificar este influenciador é por meio da wikipedia, caso sua marca tenha uma página na enciclopédia virtual. Não é simples alterar o que está dito sobre sua empresa ou marca na wikipedia, mas uma forma de responder às eventuais críticas e acusações é se valer de outros canais, como blogs, sites de review, entre outros.

As companhias precisam ainda, numa situação delicada, repensar seus próprios websites. Muitos deles não estão preparados para momentos de crise, são engessados, e vários foram desenvolvidos num momento em que o mundo vivia uma outra realidade digital. Plataformas de feedback, ou seja, os canais no website, fanpage entre outros em que o usuário pode entrar em contato com a empresa, de preferência nos seus termos, ao seu estilo, precisam ser aprimorados. Entre outras diversas ações necessárias, o website pode ainda inserir ferramentas de busca externa e interna, sempre com informações relevantes da crise no topo dos resultados. Isto o internauta vai enxergar como transparência. Trata-se de ousadia, mas é transparência. Outras sugestões são: bom senso na publicidade em meio à crise e humanização dos call centers, para que a empresa consiga captar corretamente feedbacks de seus consumidores e aprender com os seus erros. Assim como verificar com lupa os rastros digitais deixados em arquivos antigos que ficaram perpetuados nos sites de busca. Tudo isso dá uma enorme oportunidade de melhorar pontos de contatos e ver no que a marca não consegue tornar sua promessa uma realidade.

As companhias e marcas precisam admitir que a relevância do website – que passou há muito do estágio de simples cartão de visita da empresa – é cada vez maior. O canal se tornou uma ferramenta extremamente estratégica e, no futuro, tende a ficar ainda mais. Será social, será real time, será mais dinâmico e, portanto, imprescindível.
Estas são pequenas pílulas da estratégia do Tylenol 180. Mas há muito mais. A beleza e a raridade deste marketing move, como podemos ver, são diretamente proporcionais. Para algumas empresas e marcas, fica provado, a crise é a melhor coisa que poderia acontecer.

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Gabriel Rossi
Palestrante profissional em marketing, estrategista especializado na construção e gerenciamento de marcas e reputação, e diretor-fundador da Gabriel Rossi Consultoria, com passagens por instituições como Syracuse/Aberje, Madia Marketing School, University of London e Bell School. Especialista convidado para lecionar no curso de extensão da Fundação Escola de Sociologia e Política (FESP) e na Pós Graduação de Marketing da USP. Referência de mercado, Gabriel é atualmente o profissional no país mais requisitado pela grande mídia (mainstream) para falar sobre marketing. Escreve e é citado extensivamente, sendo colunista de portais de destaque como Observador Político, possui diversos artigos e estudos publicados no Estadão, o Globo, Brasil Econômico, Correio Braziliense, JT, UOL, HSM e colabora com veículos como Bandnews TV, Folha de São Paulo, Revista Nova, Veja, Portal G1 , entre inúmeros outros. Rossi e sua equipe atuam tanto no campo político como no empresarial. Eles trabalham com empresas internacionais como Petrobrás, The Marketing Store e Tetra Pak, além de candidatos ao Senado Federal. Rossi participou de momentos históricos importantes, sendo comentarista especial da TV Estadão no primeiro e segundo turno das eleições 2010 e comentarista oficial durante a posse da presidente Dilma Rousseff para a rádio Eldorado.

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