Início Artigos Marcos Hashimoto A difícil arte de conciliar a confiança e o controle

A difícil arte de conciliar a confiança e o controle

Confiança é algo que se conquista.

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A competitividade já atingiu praticamente todos os setores da economia global. É muito difícil encontrar alguma área em que os líderes do mercado se sintam confortáveis sobre sua posição e sem nenhuma ameaça de concorrentes. Em épocas como esta, tecnologia e capital já não são mais suficientes para garantir altos graus de competitividade. A força motriz da liderança repousa em novos paradigmas, a maioria fundamentada na capacidade de inovar de seus principais talentos, sobretudo aqueles com espírito empreendedor. Cabe às organizações permitir que cada funcionário dê o melhor de si, dentro de suas capacidades e limitações individuais.

Quando se fala de protagonismo, é inevitável a discussão em torno da burocracia e a limitação que ela impõe a ações protagonistas por iniciativa dos funcionários. O foco principal do protagonismo é a Confiança, enquanto o foco principal da atividade burocrática é Controle. Por isso existe tanto conflito entre protagonismo e burocracia. Quando chega a burocracia o protagonismo morre. Quando chega o protagonismo a burocracia morre. São dois termos em total dissonância. Os defensores do controle tomam como princípio que todos querem aplicar a ‘lei de Gerson’, ou seja, ‘levar vantagem em tudo’, e nivelam por baixo as atividades das pessoas visando criar mecanismos para que elas não tirem vantagem indevida do que não lhes cabe. Já os defensores da confiança partem do princípio oposto: ninguém pode levantar suspeitas sobre uma pessoa até evidências contrárias, ou seja, todos são confiáveis até prova em contrário.

Confiança é algo que se conquista, vai se construindo aos poucos, com ações, palavras, coerência, atitudes que acabam por refletir, não o profissional, mas a pessoa por trás do profissional. Quando um funcionário demonstra qualificações protagonistas, ele deveria ser colocado à parte das pesadas e lentas estruturas burocráticas que só servem para cercear sua liberdade de criar e transformar em prol da organização. Ele deveria receber algum tipo de ‘carta de crédito’ que pudesse ser mostrada para todos os que se colocassem no seu caminho, a exemplo da ‘licença para matar’ do 007, mostrando que ele é digno de confiança total e, portanto, não precisa ser controlado e pode se isentar de todos os entraves burocráticos que o impedem de trabalhar de forma eficaz na geração de valor para o cliente. A confiança pode ser destruída rapidamente, mas em geral ela fica só abalada diante de um evento, obrigando o funcionário a reconstruí-la novamente.

McGregor fala sobre as teorias de liderança X e Y, sendo que a teoria X parte do pressuposto que os funcionários são preguiçosos, indolentes, egoístas, vivem reclamando da empresa, mas não fazem nada por ela, são resistentes à mudança, não aceitam críticas ao seu trabalho, procuram explorar ao máximo a empresa e não ficam um minuto após o horário se não forem obrigados. Já os funcionários que se enquadram na teoria Y são, essencialmente, comprometidos com a empresa, vestem a camisa, são cheios de energia, pensam criativamente, se dedicam de corpo e alma, possuem iniciativa, não precisam receber ordens, são pró-ativos e dinâmicos, cultivam um relacionamento positivo e construtivo com a empresa.

A burocracia surgiu para controlar os funcionários regidos pela teoria X, mas o excesso de valorização da burocracia ajudou a criar impedimentos à manifestação dos funcionários da teoria Y. Enquanto a burocracia nivela todos os funcionários por baixo, o protagonismo nivela os funcionários por cima. Mas como as organizações possuem os dois tipos de profissionais e não sabe diferenciar um do outro, acaba por nivelar todos por baixo com medo das implicações da liberdade total sem controle dada aos membros da teoria X. As empresas até reconhecem a existência e a importância dos funcionários da teoria Y, mas não sabem como descobri-los, aproveitá-los e desenvolvê-los.

O seguinte gráfico que mostra o potencial dos recursos dentro das empresas dá outra visão sobre a necessidade de nivelar a liberdade com o controle:

 

 

O funcionário ‘A’ atende os requisitos mínimos para sua função e pode até receber uma promoção por atender de forma adequada as normas, regras e processos internos.
O funcionário ‘B’ tem um potencial maior do que o ‘A’, mas não tem oportunidade de manifestá-lo porque está preso ao que ele supostamente ‘deve’ fazer.
O funcionário ‘C’ sente-se como um pássaro preso nesta organização, a falta de liberdade o levará a se frustrar constantemente até que mude de emprego ou entre em depressão.
O funcionário ‘D’ não atende sequer os requisitos mínimos para a sua função, mas, diante do que é esperado, pode não receber sua promoção, mas dificilmente deixará a empresa por isso.

As regras, normas e procedimentos, quando em excesso, representam verdadeiras ‘travas’ para o desenvolvimento pessoal. A cada necessidade de uma autorização em instância superior, o funcionário tende a se frustrar; A cada relatório pormenorizado de suas atividades, ele deixa de fazer algo de real valor agregado; A cada formulário que é obrigado a preencher, ele se sente desvalorizado. Flexibilizar tais controles significa a redução dos limites que impedem a exploração de todo o potencial da equipe.

Em lugar das regras, normas e procedimentos, as organizações devem orientar os rumos genéricos que regem as atividades e decisões de seus principais talentos. Normalmente esta orientação é dada na compreensão e assimilação da Visão, Missão, Valores e Objetivos Estratégicos da organização. Quando um funcionário protagonista tem uma ideia, cabe a ele mesmo procurar saber a viabilidade, elaborar o planejamento, estudar o potencial gerado pela ideia, montar sua equipe, obter os recursos e pôr em prática seu projeto, com o mínimo controle por parte da organização. À organização cabe facilitar este processo e não impedi-lo ou dificultá-lo através da burocracia. Se a alta administração tem a confiança de que este funcionário sabe o que é mais importante e melhor para a empresa, lhe dará a segurança e a liberdade necessária para seguir em frente. Neste processo, é bastante plausível a hipótese de perder o funcionário ‘D’ e até mesmo o funcionário ‘A’, mas os benefícios que os funcionários ‘B’ e ‘C’ podem gerar vão compensar em muito esta perda.

Além disso, este pessoal com baixo potencial se desmotiva também e é possível que acabem deixando a organização quando esta minimiza as regras e o controle. Muitos se sentem desconfortáveis com a falta de supervisão e normas, eles as confundirão com falta de ordem e de organização e ficarão perdidos com a aparente ‘bagunça’, pois não percebem a relação entre suas atividades e os valores, missão e visão organizacionais. A distância é muito grande para eles perceberem a correlação entre os elementos que deveriam fazer parte de sua crença e sua visão da empresa e os elementos mais palpáveis em termos de metas, processos e indicadores.

Como nenhuma empresa possui apenas talentos protagonistas, é de se supor que não dá para escapar da burocracia. É preciso, para alguns perfis profissionais, este nível de organização em que as regras devem ser explícitas e detalhadas. Não dá para simplesmente desconsiderar funcionários coadjuvantes, pois eles representam, muitas vezes, o nível operacional, que faz as coisas e executa a rotina e tarefas corriqueiras.

Assim, não dá para ter um time composto apenas por grandes talentos, mas também não dá para nivelar todos os funcionários pelo nível mais baixo. Políticas, orientações, recomendações, direitos, devem substituir as leis, regras, responsabilidades, etc, nada muito rígido e restritivo. O problema da democracia nas empresas é que ela parte do pressuposto que todos são iguais, mas na verdade elas não o são.

O grande dilema das organizações é saber tratar da burocracia de modo a colocar certos perfis dentro de eixos balizadores com a intenção de aumentar a sua eficiência operacional, mas ao mesmo tempo flexibilizá-la para outras categorias de funcionários com perfil protagonista de forma a garantir-lhes a liberdade para inovar e gerar soluções sem as amarras das regras restritivas e limitadoras. Trata-se de um paradoxo que a maioria das organizações ainda não aprendeu a resolver, uma busca por um equilíbrio entre a liberdade e o controle para explorar o que as pessoas têm de melhor, refletindo, no final das contas naquilo que mais importa para as organizações: Sobreviver e prosperar em ambientes de alta competitividade.

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