Estudo realizado pela Fiocruz, que avaliou os impactos imediatos do desastre da mineradora Vale em Brumadinho, alerta para a possibilidade de surtos de doenças infecciosas – dengue, febre amarela e esquistossomose – mudanças no bioma e agravamento de problemas crônicos de saúde, como hipertensão, diabetes e doenças mentais. Mapas construídos pela instituição permitiram identificar residências e unidades de saúde afetadas, comunidades potencialmente isoladas e as áreas soterradas pela lama. Os resultados serão apresentados na próxima terça-feira (5/2).
A análise foi realizada pelo Observatório Nacional de Clima e Saúde do Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde (Icict/Fiocruz) e pelo Centro de Estudos e Pesquisas em Emergência de Desastres em Saúde da Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca (Cepes/Ensp/Fiocruz), com base nos dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), da Agência Nacional das Águas (ANA) e do Datasus. O estudo tem como referência o Marco de Sendai da ONU (2015-2030), Miyagi, no Japão, conferência que adota novo marco para reduzir riscos de desastres naturais no mundo.
Os resultados apontam para os riscos sistêmicos das barragens no Brasil – são mais de 24 mil barragens, sendo que mais de 600 relacionadas às de mineração e cavas exauridas – e vulnerabilidades organizacionais e institucionais diante de marcos legais, operação e monitoramento para a prevenção dos desastres.
A partir da sistematização de estudos internacionais sobre causas e consequências de desastres com barragens de mineração e da experiência sobre os impactos do desastre da Samarco sobre a saúde das populações, a Fiocruz apresentará nesta terça-feira (5/2), os desafios e propostas para prevenção de desastres futuros; o enfrentamento dos riscos atuais existentes; as políticas e estratégias de planos de preparação e respostas, incluindo sistemas de alerta e alarme, bem como de recuperação e reconstrução das condições de vida e saúde no médio e longo prazos.
Agravamento de doenças crônicas
A pesquisa chama a atenção para a perda de condições de acesso a serviços de saúde, que pode agravar doenças crônicas já existentes na população afetada, assim como provocar novas situações de saúde deletérias como doenças mentais (depressão e ansiedade), crises hipertensivas, doenças respiratórias e acidentes domésticos, além de surtos de doenças infecciosas.
“Um aumento de casos de acidentes vascular-cerebrais foi observado após as enchentes de Santa Catarina em 2008 e do acidente de Fukujima, Japão, mesmo depois de meses dos eventos disparadores. Estes casos podem ser consequência tanto de situações de estresse e transtornos pós-traumáticos, quanto da perda de vínculo com os sistemas de atenção básica de saúde. Neste sentido, as doenças mentais decorrentes de grandes desastres ambientais podem ser sentidas alguns anos após o evento traumático, como relatado em Mariana”, informou Christovam Barcellos, pesquisador titular do Laboratório de Informação em Saúde do Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde (Lis/Icict) da Fiocruz, integrante da equipe que realizou o estudo.
Segundo Barcellos, a contaminação do rio pelos rejeitos da mina pode ser percebida facilmente pelo aumento da turbidez das águas. “A presença de uma grande quantidade de material em suspensão nas águas dos rios afetados causou a imediata mortandade de peixes e inviabiliza a captação e tratamento da água para consumo humano”, disse o especialista.
No entanto, afirmou o pesquisador, outros componentes químicos da água podem estar presentes na lama do rejeito e serem transportados a longas distâncias pelo rio Paraopeba e, posteriormente, o rio São Francisco.
“Por isso, é necessário o exame da presença de metais pesados nos rejeitos e seu monitoramento ao longo destes rios para evitar o consumo e uso de águas contaminadas nos próximos anos. O sedimento enriquecido por metais pesados pode ser remobilizado para os rios com as chuvas intensas, ações de dragagem e operação de barragens hidrelétricas ao longo dos próximos anos”, alertou.
Além disso, destacou o pesquisador, as alterações ecológicas provocadas pelo desastre podem promover a transmissão de esquistossomose, principalmente se levado em consideração que grande parte do município de Brumadinho e municípios ao longo do rio Paraopeba não é coberta por sistemas de coleta e tratamento de esgotos. “A transmissão de esquistossomose é facilitada pelo contato com rios contaminados por esgotos domésticos e com presença de caramujos infectados”, disse.
Barcellos observa ainda que a degradação do leito do rio Paraopeba e de seu entorno vai produzir alterações significativas na fauna, flora e qualidade da água, como perda de biodiversidade, mortandade de peixes e répteis. “A bacia do rio Paraopeba é uma área de transmissão de febre amarela e um novo surto da doença não pode ser descartado. É urgente a vacinação da população”, ressaltou.
Serviço
Evento: Desastre da Vale em Brumadinho – Impactos sobre a saúde e desafios para a gestão de riscos
Dia: 5/2 (terça-feira)
Local: Pavilhão Artur Neiva (campus Manguinhos/Fiocruz)
Horário: 9h30 às 12h30
Fontes
Carlos Machado
Graduação em História pela Universidade Federal Fluminense (1989), mestrado em Engenharia de Produção pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1992), doutorado em Saúde Pública pela Fundação Oswaldo Cruz (1996) e pós-doutorado pelo Programa de Ciências Ambientais da Universidade de São Paulo (2007-2008). Pesquisador da Escola Nacional de Saúde Pública, Fundação Oswaldo Cruz, Ministério da Saúde, com atividades de pesquisa e ensino sobre temas relacionados à saúde ambiental e aos desastres. Atualmente coordena o Centro de Estudos e Pesquisas em Emergências e Desastres em Saúde. Integrante do Comitê Técnico Assessor de Vigilância e Resposta às Emergências em Saúde Pública (CTA-ESP), SVS/MS e do Grupo de Aconselhamento Técnico e Científico da Estratégia Internacional de Redução de Riscos de Desastres da ONU (STAG-UNISDR), editor científico Editora Fiocruz.
Christovam Barcellos
Graduado em Geografia pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), graduado em Engenharia Civil pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), mestre em Ciências Biológicas pela UFRJ e doutor em Geociências pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Atualmente é pesquisador titular do Laboratório de Informação em Saúde do Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde (Lis/Icict). Trabalhou como sanitarista das secretarias estaduais de saúde do Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul. Atua na pesquisa e ensino de Geografia da Saúde, com ênfase em Vigilância em Saúde, principalmente nos seguintes temas: geoprocessamento, análise espacial, indicadores de saúde e sistemas de informações geográficas.