O Grupo de Trabalho Agroecologia do Ministério Público Federal (MPF) elaborou nota técnica em defesa da constitucionalidade da Lei estadual 16.820/2019, que veda a pulverização aérea de agrotóxicos no Ceará. A norma é alvo de Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 6137/CE) no Supremo Tribunal Federal (STF). Autora da ação, a Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) aponta vícios formal e material na lei estadual, mas a Câmara técnica do MPF afirma que a lei é válida e está de acordo com a Constituição.
Um dos argumentos da CNA é que norma cearense teria usurpado competência privativa da União ao legislar sobre navegação aérea e exercício de trabalho, ofício ou profissão. A nota técnica demonstra, no entanto, que a exclusividade federal prevista na Constituição se limita à exploração e normatização de temas diretamente relacionados ao transporte aéreo e à infraestrutura aeroportuária, o que não é o caso. “A aviação, no caso apontado, se apresenta como meio para a pulverização e não há, na Carta Magna, fundamentos para restringir a possibilidade de os estados conferirem maior proteção ao meio ambiente na regulação do tema em questão”, aponta o texto.
O MPF também esclarece que a lei cearense não estabelece condições para o exercício de qualquer profissão, apenas veda a prática de uma atividade específica do ramo de aviação agrícola. De acordo com a Constituição, “a lei que não versar especificamente sobre condições para o exercício de profissões, que não diga respeito às qualificações profissionais para aquele exercício, não se enquadra na hipótese de competência legislativa da União”, explica a nota.
Ainda em relação ao aspecto formal, o MPF afirma que a Lei 16.820/2019 trata fundamentalmente de matéria ambiental, cuja competência para legislar é tanto da União como dos estados. Ao contrário do que afirma a CNA, o foco da norma não é o emprego da aviação agrícola no país, mas a proteção do meio ambiente, da saúde e da vida, direitos fundamentais ameaçados pela pulverização aérea de agrotóxicos. Para o MPF, “a opção legislativa de proibir essa técnica de aplicação dos agrotóxicos no estado do Ceará, além de constitucionalmente válida, é politicamente desejável, devendo ser seguida pelos demais entes da Federação”.
Conciliação – Do ponto de vista material, a CNA alega que a lei cearense viola o princípio constitucional da livre iniciativa e prejudica a competitividade do agricultor cearense. Na nota técnica, o MPF defende que é preciso harmonizar os interesses econômicos com os direitos fundamentais à saúde e ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. “A livre iniciativa não goza de qualquer ascendência sobre o preceito de proteção ambiental”, destaca o documento.
Os procuradores citam estudos científicos que demonstram que, nas técnicas de aplicação dos agrotóxicos, parte do produto é desviada do alvo, causando contaminação do solo, da água e do ar, atingindo trabalhadores, moradores, animais e plantas sensíveis a eles. O fenômeno, conhecido como deriva, é maior na pulverização aérea e, devido a ele, a prática já é proibida na União Europeia desde 2009.
O MPF afirma ainda que os danos causados pela pulverização aérea antes permitida podem ser percebidos no estado do Ceará. De acordo com a Associação Brasileira de Saúde Coletiva, a dispersão de agrotóxicos por meio de aviões tem atingido diversas comunidades de camponeses no estado, provocando intoxicações agudas e crônicas, produzindo câncer, malformações congênitas, desregulações endócrinas, dentre outros agravos à saúde que podem ser constatados em estudos científicos publicados.
A nota técnica será encaminhada à procuradora-geral da República a fim de subsidiar sua atuação na ADI 6137.
Intercameral – O Grupo de Trabalho Agroecologia é formado por membros do MPF vinculados às Câmaras Criminal (2CCR), de Meio Ambiente e Patrimônio Cultural (4CCR), Populações Indígenas e Comunidades Tradicionais (6CCR) e à Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão. O GT existe desde 2007 e tem como objetivo promover discussões e articulação com Ministério Público, CTNBio, Ibama e demais órgãos integrantes do Sistema de Biossegurança para tomada de decisões e geração de procedimentos tendentes à realização dos objetivos constitucionais e legais afetos à questão de biossegurança de Organismos Geneticamente Modificados (OGM), seus derivados e sua correlação com o uso de agrotóxicos.