Unesco emite manifesto sobre educação das crianças e adolescentes no Brasil. Confira:
“Marlova Noleto, Representante da UNESCO no Brasil
Florence Bauer, Representante do UNICEF no Brasil
Socorro Gross, Representante da OPAS e da OMS no Brasil
Chegamos a julho de 2021, com o fim de mais um semestre escolar. Os números da pandemia da Covid-19 seguem preocupantes, mas existem indícios de melhora. Em muitos lugares, as atividades comerciais e de lazer foram há muito tempo retomadas. Contudo, a maioria das escolas continua fechada. Uma pesquisa recente realizada pelo instituto Inteligência em Pesquisa e Consultoria (Ipec) para o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) mostra que apenas dois em cada dez estudantes brasileiros estão frequentando atividades escolares presenciais. Quando analisamos esse dado por classe social, as diferenças são enormes. Enquanto 40% dos filhos da classe A podem ter acesso a aulas presenciais, nas classes D e E, eles são somente 16%. A pandemia aprofundou o fosso das nossas desigualdades, e na educação o impacto é ainda maior.
A educação é um direito fundamental, que precisa ser preservado para todas as crianças e todos os adolescentes por igual. Mas, em casa, sem os recursos adequados para aprender – como um computador e acesso à internet de boa qualidade –, meninas e meninos em situação de pobreza e vulnerabilidade estão sendo deixados para trás. Muitos deles podem depender apenas de um celular para ter contato com professores e receber as atividades escolares. Mesmo com os esforços dos educadores, em novembro de 2020, o UNICEF apontou que mais de 5 milhões de crianças e adolescentes não tiveram acesso à educação – número equivalente ao cenário que o País tinha no início dos anos 2000.
Junto com todas as vidas perdidas, corremos o risco de perder o progresso alcançando com relação ao acesso de todas as crianças e todos os adolescentes a uma educação de qualidade, bem como de regredir duas décadas no acesso à educação básica. Somos um dos países em todo o mundo com o maior período de escolas fechadas. Como aponta o mapa de monitoramento interativo da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), em âmbito mundial, as escolas estiveram fechadas – total ou parcialmente – por uma média de 5,5 meses (22 semanas). Na maior parte dos países da América Latina, a média fica acima de 41 semanas. No Brasil, ela chega a 53 semanas. E isso, embora as escolas devam ser as últimas instituições a fechar e as primeiras a abrir – como ocorre em qualquer emergência humanitária.
O longo tempo de fechamento da maioria das escolas tem impactado profundamente não apenas a aprendizagem, mas também a saúde mental, a nutrição e a proteção de crianças e adolescentes. As escolas desempenham um papel primordial na vida de meninas, meninos e suas famílias. Elas são essenciais para o desenvolvimento de competências de interação social. Sem acesso à escola, crianças e adolescentes perdem o vínculo diário com colegas, professores e amigos, o que causa impactos profundos em sua saúde mental. A escola também tem um papel muito importante na proteção contra diferentes formas de violência – incluindo a violência doméstica, que aumentou na pandemia – e contra o trabalho infantil. Além disso, sem acesso à escola, metade das famílias com crianças e adolescentes diz ter ficado sem acesso à merenda escolar. Uma reabertura segura e sustentável é urgente.
Por todos esses impactos, chamamos atenção para a urgência de reabrir as escolas brasileiras, em segurança. Desde o início da pandemia, a Organização Mundial da Saúde (OMS), a Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS), o UNICEF e a UNESCO vêm trabalhando em conjunto no desenvolvimento de protocolos para orientar o processo de reabertura das escolas, no Brasil e no mundo.
Essas orientações mostram as medidas que devem ser adotadas para proteger a saúde de crianças, adolescentes, profissionais da educação e as famílias de todos. Os protocolos são organizados pela OMS em quatro níveis, de acordo com a situação da Covid-19 em cada lugar – sendo o nível 1 com poucos casos, e o 4, com maior transmissão. Para cada situação, há recomendações sobre as ações que devem ser tomadas no âmbito escolar. Mesmo no nível 4, os protocolos recomendam manter as escolas abertas sempre que possível, ainda que tomando todos os cuidados. A recomendação é fechá-las apenas em caráter de exceção.
Há uma clara orientação de sempre priorizar as escolas nas decisões sobre quando fechar e quando reabrir, bem como nos investimentos para isso. Existem muitos exemplos de sucesso de municípios brasileiros que adaptaram o funcionamento das escolas aos protocolos de segurança e, assim, continuaram garantindo o direito à educação para crianças e adolescentes.
Dentro da escola, é essencial adotar todos os protocolos de prevenção à Covid-19, como uso de máscaras (de acordo com o recomendado para cada idade), higienização das mãos, distanciamento social, etiqueta respiratória, ventilação dos espaços, limpeza e desinfecção dos ambientes, espaçamento das mesas e organização das turmas.
A reabertura pode incluir elementos de educação híbrida, uma combinação de educação presencial e a distância, e o rodízio de estudantes em grupos menores. Em caráter de exceção, onde não for possível serem ministradas aulas presenciais, as escolas devem ser mantidas abertas como pontos de apoio, para que famílias e estudantes possam retirar as atividades, acessar a internet e manter o vínculo com a própria escola. Todas as decisões devem envolver estudantes, famílias, educadores e toda a comunidade escolar. É preciso também revisar os currículos e rediscutir o financiamento da educação, de forma a reduzir as perdas cognitivas significativas decorrentes da pandemia.
Além de reabrir as escolas, é urgente ir atrás de cada criança, cada adolescente que não conseguiu continuar aprendendo na pandemia, ou que já estava fora da escola antes dela. Cabe aos municípios realizar a busca ativa desses estudantes, unindo esforços de diferentes áreas, incluindo educação, saúde, assistência social, as famílias e as lideranças comunitárias.
E é fundamental que o País invista fortemente na aquisição e na distribuição de vacinas contra a Covid-19, atendendo prioritariamente profissionais da linha de frente e dos serviços essenciais – como profissionais da saúde, da educação e da assistência social, entre outros. Temos de valorizar os esforços de cada um desses profissionais, que têm atuado de forma incansável para manter a aprendizagem de crianças e adolescentes, cuidar da saúde das pessoas e proteger meninas e meninos da violência.
Por fim, cada pessoa tem de fazer a sua parte para diminuir a circulação do novo coronavírus e conter a pandemia, investindo nas medidas não farmacológicas, usando máscaras, mantendo o distanciamento social, higienizando as mãos com frequência e seguindo as recomendações da ciência. Só assim todos, incluindo crianças, adolescentes e suas famílias, estarão seguros. E só assim será possível alcançar os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) até 2030.
Em agosto, começa um novo semestre letivo. É preciso agir agora e reabrir as escolas em segurança para garantir o direito de cada criança, adolescente e jovem brasileiro a uma educação de qualidade. “