O Ministério Público Federal (MPF), por meio da Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão (PRDC), apresentou recurso ao Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF2) em ação ajuizada para que a empresa Google exclua definitivamente quatro canais na plataforma YouTube que propagam discursos de ódio de intolerância religiosa. Como alternativa à exclusão, o MPF pede que a Google seja obrigada a adotar medidas de análise permanente do conteúdo postados nos canais e a rápida exclusão do material para impedir a disseminação do conteúdo discriminatório.
De acordo com o MPF, os canais Geração Jesus Cristo, Geração ao Vivo, Geração de Mártires e Geração de Mártires ao Vivo possuem milhares de vídeos postados, muitos deles com mais de uma hora de duração, contendo pregações do pastor Tupirani da Hora Lores com conteúdos de explícita incitação à intolerância e discriminação. Na ação, o órgão cita, de forma exemplificativa, playlist de músicas que propagam intolerância religiosa e diversos vídeos com discurso de ódio contra judeus, islâmicos e à comunidade LGBTQIA+.
A sentença judicial já proferida na ação determinou a retirada dos vídeos indicados e o controle sobre novos vídeos, a fim de excluir rapidamente postagens eventualmente criminosas, além da prestação de informações ao MPF sobre os resultados obtidos com as medidas que forem tomadas.
Para o procurador regional dos Direitos do Cidadão adjunto, Julio José Araujo Junior, apesar de ser importante, a medida imposta na sentença tem caráter genérico e tem como resultado prático a transferência ao MPF do controle que deveria ser desempenhado pela empresa. “É inequívoco que a Google tem plena ciência sobre a necessidade de monitoramento cauteloso dos canais administrados pela Igreja Geração Jesus Cristo. Apesar disso, não apresentou nenhuma explicação sobre as medidas fiscalizatórias adotadas sobre os mais de mil vídeos que ainda estão disponíveis”, sustentou o procurador.
De acordo com informações da Google, novos vídeos foram regularmente postados em modo restrito, sendo acessíveis somente por meio de link de acesso. Assim, o MPF não tem mais acesso ou qualquer forma de verificação do conteúdo postado em modo restrito. Além disso, ainda permanecem disponíveis no YouTube vídeos com conteúdo discriminatório de intolerância religiosa nos canais em questão.
“A permanência de conteúdo que dissemina discurso de ódio na plataforma da ré, em canal de usuário plenamente identificado e recalcitrante, mesmo após o trânsito em julgado de decisão judicial em ação civil pública pretérita; após deferimento de medida cautelar nestes autos; e após suposta nova varredura nos vídeos do canal é emblemática da total ineficiência dos mecanismos de controle empregados pela parte ré”, reforça o procurador, no recurso apresentado à Justiça.
Atuação do MPF – Esta é a segunda ação civil pública ajuizada pelo MPF para excluir da internet vídeos que promovem e propagam discurso de ódio postados nos canais da Igreja Geração Jesus Cristo, liderada pelo pastor Tupirani da Hora Lores.
De acordo com o MPF, a empresa excluiu 34 vídeos por intolerância religiosa dos canais desde a primeira ação proposta pelo MPF, em 2015, incluindo os conteúdos da playlist intitulada como “Islamismo Assassino”. Contudo, posteriormente, foram criados quatro novos canais, todos com variações do mesmo nome, com vídeos que discriminam, depreciam, estigmatizam e demonizam diversas religiões e a comunidade LGBTQIA+. Por isso, o MPF propôs nova ação que visa à exclusão dos quatro canais.
O pastor também responde a ação penal proposta pelo MPF, em que foi condenado pela Justiça Federal a mais de 18 anos de reclusão, além de multa, por reiteradamente praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito a judeus e israelitas em razão de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional, por meio de suas contas no YouTube e no Instagram. Ele aguarda o julgamento de recurso na ação preso cautelarmente.
Liberdade de expressão – Apesar de ter retirado os vídeos indicados pelo MPF, a Google argumenta que a exclusão integral dos canais caracterizaria violação à liberdade de expressão e à liberdade religiosa. A empresa defende ainda não possuir dever de fiscalização prévio de conteúdo, conforme a Lei nº 12.965/2014, Marco Civil da Internet.
Para o procurador, a propagação do discurso de ódio na internet caracteriza uma séria ameaça à democracia e aos direitos fundamentais. Sobre o caso concreto, ele destaca que o conteúdo discriminatório apontado não apresenta nenhuma ambiguidade e que a Google já tinha pleno conhecimento de que o material postado nos quatro canais da Igreja Geração Jesus Cristo exigia uma fiscalização com especial atenção.
“A Google não aplicou a regra específica das Políticas de Discurso de Ódio que contempla a possibilidade de exclusão integral de um canal em razão de caso de abuso grave. Sequer houve explicação dos motivos pelos quais deixou de aplicar as próprias diretrizes de uso”, aponta Julio Araujo.
O MPF cita ainda julgamento do Supremo Tribunal Federal (STF) que firma possibilidade de exclusão de contas em redes sociais e não apenas de publicações específicas. Na decisão, o ministro Alexandre de Moraes considerou que “a liberdade de expressão não pode ser utilizada como verdadeiro escudo protetivo para a prática de atividades ilícitas” e que “não se confunde liberdade de expressão com impunidade para agressão”.
“Ninguém, a pretexto de manifestar sua fé, está autorizado a praticar ataques ou ofensas, exatamente porque a liberdade de manifestação religiosa também possui outra face, que é a obrigação de respeitar a existência e crença de outros grupos”, conclui o procurador.
Ação Civil Pública nº 5064761-14.2022.4.02.5101
CidadeMarketing com informações do MPF.