Início Artigos Thales Brandão Escolas elevam o custo educacional ao exigir materiais pedagógicos exclusivos e atualizados

Escolas elevam o custo educacional ao exigir materiais pedagógicos exclusivos e atualizados

A falta de uma política de reuso e as atualizações pedagógicas constantes sobrecarregam o orçamento familiar.

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Foto: Thales Brandão

No passado, a educação trazia consigo uma cultura de economia e sustentabilidade que parecia natural às famílias. Os livros didáticos eram vistos como um investimento duradouro, passando de irmão para irmão ou mesmo entre amigos. Era comum os pais, junto com seus filhos, dedicarem-se a apagar as respostas dos livros, preparando-os para o reuso no ano seguinte. Essa prática envolvia um zelo especial: os livros eram cuidadosamente encapados com plástico e etiquetados, garantindo sua preservação por vários ciclos escolares. Além de ser uma medida econômica significativa, esse hábito reforçava o valor do cuidado com os materiais e fomentava a sustentabilidade dentro das famílias.

Hoje, o cenário mudou drasticamente. Ao matricularem seus filhos, os pais se deparam com sistemas pedagógicos que exigem a aquisição de materiais educacionais alinhados às plataformas de ensino e à Base Nacional Comum Curricular (BNCC). Esses materiais, muitas vezes de alta qualidade, são atualizados anualmente. No entanto, os custos inflacionados – que podem variar entre 5% e 30% a cada ano – tornam-se um peso significativo para os orçamentos familiares. Esses aumentos estão ligados, em parte, à utilização de materiais importados, como papel dolarizado, e às atualizações editoriais que impossibilitam o reuso. Mesmo com plataformas de revenda C2C (consumer to consumer), como OLX, sebos locais e grupos de redes sociais, oferecendo livros com apenas 1 ano de uso por até 90% do preço original, as escolas geralmente restringem seu uso, sob a justificativa de que as novas edições apresentam conteúdo atualizado. Essa prática não apenas impacta o bolso dos pais, mas também gera um acúmulo de materiais subutilizados, distanciando-se dos princípios de sustentabilidade e economia.

Outro ponto de tensão é a imposição de compra dos chamados “kits pedagógicos” diretamente nas escolas através de plataformas de editoras ou sites parceiros. Muitas vezes, essas aquisições são vinculadas a códigos fornecidos pela própria instituição, gerando desconfiança entre os pais sobre possíveis comissionamentos entre escolas e editoras. Essa relação comercial, somada à proibição de reuso de materiais, transforma a educação em um produto, no qual as famílias assumem um papel de consumidores reféns.  A atualização anual dos materiais didáticos em muitas escolas está vinculada a um sistema online de ensino, com atividades e avaliações exclusivas para os alunos que adquirem as novas versões, o que implica na obrigatoriedade de os pais adquirirem os materiais atualizados.

Além dos livros, há outros custos que pesam no orçamento familiar. Materiais essenciais como lápis, cadernos, hidrocor, colas e outros itens são comunicados no ato da matrícula, com variações de preços que chegam a 90% dependendo da marca. Os uniformes também se tornam um ponto crítico para os pais, pois geralmente são vendidos exclusivamente pelas escolas ou em lojas especializadas, limitando as opções de compra. Muitas vezes, tratam-se de camisas brancas simples, com o logotipo da escola bordado ou estampado, mas com preços elevados e pouca margem de escolha, o que dificulta a busca por alternativas mais acessíveis.

Outro fator relevante é a cobrança por eventos e atividades escolares ao longo do ano. Muitas instituições apresentam um cronograma de atividades extras, como feiras culturais, excursões e projetos pedagógicos, que posteriormente são acompanhados de cobranças adicionais. Embora sejam opcionais, muitos pais sentem-se pressionados a incluir seus filhos para evitar que fiquem de fora dessas experiências.

Custos indiretos, como transporte e alimentação, também representam um desafio. Famílias que dependem de transporte escolar ou deslocamento particular precisam lidar com o aumento constante dos combustíveis e das mensalidades cobradas por vans escolares. Já os lanches enviados ou comprados nas cantinas escolares são outro ponto de despesa recorrente, com preços muitas vezes superiores aos praticados em outros estabelecimentos.

Ainda sobre os sistemas pedagógicos exclusivos adotados pelas escolas, mesmo com a possibilidade de parcelar os valores dos materiais didáticos em até 12 vezes, os custos anuais por estudante variam entre R$ 800 e R$ 4.000, sendo os materiais comercializados como uma coleção ou kit pedagógico. Em algumas escolas, os valores são pagos integralmente, e os livros são entregues mensalmente ou semestralmente, o que acaba descapitalizando, muitas vezes, os pais que pagam à vista.

Essa soma torna a educação um desafio financeiro crescente, especialmente quando o modelo adotado parece priorizar o consumo em detrimento da economia familiar e da sustentabilidade. Além disso, muitos pais enfrentam despesas adicionais com materiais pedagógicos complementares, como paradidáticos, materiais de artes, esportes e robótica.   Os paradidáticos, em geral, representam um menor impacto financeiro para as famílias, já que suas atualizações são menos frequentes, permitindo a aquisição no mercado de livros usados. No entanto, algumas escolas alteram frequentemente os títulos dos paradidáticos, dificultando o reaproveitamento e a troca, o que acaba sobrecarregando ainda mais o orçamento dos pais.

Diante desse cenário, muitos pais buscam alternativas para aliviar o peso financeiro da educação. A tentativa de revenda de materiais pedagógicos usados em plataformas online, a compra coletiva de itens e a reutilização de uniformes entre familiares e amigos são algumas das estratégias adotadas. Contudo, essas medidas nem sempre são suficientes para enfrentar a crescente mercantilização do ensino.

Especialistas destacam a importância de um diálogo mais transparente entre escolas e famílias. Segundo eles, é essencial que as instituições de ensino busquem soluções que aliem qualidade educacional a custos acessíveis, promovendo uma relação mais justa e equilibrada. Iniciativas como feiras de troca de materiais, parcerias com editoras para subsídios, ações de reuso e maior flexibilidade na escolha dos kits pedagógicos podem ser caminhos para um sistema mais inclusivo.

O desafio de equilibrar qualidade, sustentabilidade e custo na educação segue como um tema urgente. Embora os sistemas pedagógicos e educacionais adotados pelas escolas ofereçam, na maioria das vezes, um suporte abrangente — incluindo materiais didáticos, sistemas de avaliação, formação contínua para o corpo docente e administrativo, além de serviços de consultoria —, os pais continuam enfrentando desafios financeiros significativos para assegurar a melhor educação possível para seus filhos. Muitas vezes, isso implica sacrificar outras necessidades básicas em nome de um futuro mais promissor para as crianças e adolescentes.

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