Este artigo pretende confrontar e alertar a sociedade que os discursos socialmente responsáveis dos bancos brasileiros não condizem com suas práticas junto aos seus interessados.
De acordo com Ashley (2002), a responsabilidade social empresarial pode ser interpretada como uma forma de gestão comprometida com o bem estar social, que exige ações em diferentes direções. Almeja um relacionamento ético e transparente da empresa com seu público, por meio de estabelecimento de metas empresariais compatíveis com o desenvolvimento sustentável da sociedade. Isto é, desempenho econômico com respeito à diversidade cultural, redução das desigualdades sociais e preservação dos recursos naturais para as gerações futuras.
Para o Instituto Ethos, responsabilidade social empresarial é a forma de gestão que se define pela relação ética e transparente da empresa com todos os públicos com os quais ela se relaciona e pelo estabelecimento de metas empresariais que impulsionem o desenvolvimento sustentável da sociedade, preservando recursos ambientais e culturais para as gerações futuras, respeitando a diversidade e promovendo a redução das desigualdades sociais. (ETHOS, 2010)
Neste contexto, os conceitos e teorias não são praticados pelas instituições financeiras no Brasil. Essas organizações, por sua vez, carregam uma relação unilateral focada apenas no lucro, não retribuindo à altura os recursos que a sociedade lhe provém para seus ganhos. Os discursos comuns bancários expostos nos filmes publicitários sobre Consumo Consciente do Crédito, Responsabilidade Social e Cidadania Corporativa não são tangibilizados na prática pelos grupos de interesses, em especial, os clientes.
Kotler (2010) reforça que, quando uma marca traz transformações, os consumidores a aceitam, inconscientemente, como parte de seu cotidiano. O cotidiano dos consumidores bancários é de vivenciar filas exorbitantes, juros abusivos, vendas casadas, colaboradores insatisfeitos, gerentes que praticam atendimentos engessados e apenas focados na cartela de clientes que possuem alta ou média movimentação financeira. Um desrespeito ao principal ativo das instituições financeiras e uma afronta à legislação do nosso país.
Podemos compreender, com base nos autores, que a Responsabilidade Social Empresarial está relacionada diretamente com a ética e transparência na gestão dos negócios e deve refletir-se nas decisões cotidianas que podem causar impactos na sociedade, no meio ambiente e no futuro dos negócios. De um modo mais simples, podemos dizer que a ética nos negócios ocorre quando as decisões de interesse de determinada empresa também respeitam o direito, os valores e os interesses de todos aqueles que, de uma forma ou de outra, são por elas afetados.
• As insatisfações dos consumidores em números
Os bancos historicamente carregam uma má imagem e os números registrados nos Órgãos de Defesa do Consumidor respondem claramente pela insatisfação generalizada de seus sofredores clientes.
Segundo balanço do PROCON/ES, os bancos Itaú/Unibanco (24%), Bradesco (22%) e Santander/Real (14%) estão entre as cinco instituições mais reclamadas no Estado. O levantamento realizado em Setembro/2010 aponta como problemas mais frequentes: a cobrança indevida e abusiva (não cumprimento, alteração, transferência, irregularidades e rescisão);
Em São Paulo a situação é pior, no ranking das 50 empresas mais reclamadas no PROCON/SP, 16 delas são instituições financeiras o que representa 22% do total, segundo lugar no geral.
Segundo o PROCON/SP, a lista contém apenas reclamações fundamentadas, ou seja, demandas de consumidores que não foram solucionadas, sendo necessária a abertura de processo administrativo para serem trabalhadas pelo órgão junto aos fornecedores. As demandas que mais se destacaram no setor foram as relativas a cartões de crédito. O maior problema concentra-se na cobrança de tarifa de emissão de boleto, procedimento con¬siderado indevido pelo PROCON/SP e proibido pela Resolução 3693/2009 e pela Carta Circular 3349/2008, ambas do Banco Central. Em razão dessa conduta, as cinco primeiras colocadas foram autuadas pelo PROCON-SP.
Persistem ainda em 2009 as queixas referentes à cobrança de valores não reconhecidos nas faturas de cartões de crédito em caso de roubo/furto, perda/extravio do “plástico”, ou mesmo quando o cartão permanece de posse do consumidor. As instituições recusam a efetuar o estorno alegando que a comunicação da perda, extravio, furto ou roubo do cartão não foi imediato, ou se deu fora do prazo, argumento que desconsidera que é dever e responsabilidade da instituição garantir a segurança do produto que comercializa no mercado.
Ainda no que diz respeito ao sistema bancário, ocorreram situações em que o consumidor deparou-se com lançamentos de serviços que não solicitou, como seguros de vida, contra roubo, de acidente pessoal, etc. E, ainda, ofertas de parcelamento de fatura feita pelas administradoras sem a devida informação sobre as características da oferta: taxa de juros, valor total cobrado, a qual fatura se refere o parcelamento oferecido, entre outras.
Recentemente o Itaú e Unibanco se uniram dando origem ao maior banco privado do país e àquele com o maior número de clientes insatisfeitos. De que adianta ser intitulado de uma grande instituição bancária e não entregar um serviço justo para o seu principal ativo, o cliente?
Decidi escrever este artigo depois de solicitar o cancelamento da minha conta corrente do antigo Banco Real, hoje, Santander. O discurso bancário de “Vamos fazer juntos?” para mim é apenas um slogan figurativo que compõe a marca e que, na prática, carrega um diálogo vazio com os seus clientes. Aquela “fantástica” conta corrente que foi aberta na época de universitário que incluía talões de cheques e papelaria reciclada, campanhas papa-pilha e incentivo a universitários são apenas estratégias de promoção organizacional.
• Filas Exorbitantes
Todas as vezes que precisei do serviço presencial bancário, não passei menos de 45 minutos esperando em uma fila para ser atendido, ou melhor, minha última experiência em uma agência bancária foi para ser ressarcido de cobranças indevidas praticada pelo Banco Santander e simplesmente aguardei 2h07 minutos para ser atendido na “boca” do caixa. Com base no fato, fica visível uma verdadeira agressão a relação de consumo.
Toda empresa tem o dever ético de cumprir a lei, seja ela qual for.
Swift e Zadek delineiam três estágios ou gerações de responsabilidade social corporativa. Para estabelecermos relação com as filas exorbitantes em que os clientes se deparam no sistema bancário, ressaltamos apenas o primeiro estágio, considerado pelos autores como estágio básico. Nele, a empresa considera a responsabilidade social corporativa como mera obrigação de cumprir com as leis referentes a impostos, segurança e saúde, direitos trabalhistas, direitos do consumidor, regulamentação sobre meio ambiente e outras normas vigentes. O autor acrescenta que, para a empresa ser considerada boa e responsável, ela deve simplesmente atuar de acordo com as regras do jogo. Esse estágio não significa necessariamente uma política de responsabilidade social, e sim o mínimo a se esperar de uma empresa em termos de comportamento moral, pois cumprir as leis não seria necessariamente uma grande virtude, mas o simples exercício de uma cidadania que visa a que suas ações não sejam consideradas criminosas.
Para Oliveira (1984), responsabilidade social é a capacidade de a empresa colaborar com a sociedade, considerando seus valores, normas e expectativas para o alcance de seus objetivos. No entando, o simples cumprimento das obrigações legais, previamente determinadas pela sociedade, não será considerado como comportamento socialmente responsável, mas como obrigação contratual óbvia, aqui também denominada de obrigação social. (OLIVEIRA, 1984, p. 205)
Com base nos autores apresentados, observamos que leis municipais e estaduais que regulam o atendimento bancário parecem não funcionar e o cliente fica à mercê de um sistema moroso e inoperante. Algumas pessoas chegam a passar horas esperando para serem atendidos, incluindo idosos. Um crime que agride qualquer discurso sobre responsabilidade social.
• Cobranças Indevidas
O banco em questão já “empurrou goela abaixo” um seguro de vida e plano de capitalização sem minha autorização. Prática ilegal e caracterizada como venda casada. A venda casada ocorre quando você solicita um produto/serviço, mas é obrigado a levar um segundo como condição para liberação do primeiro. Essa prática é bastante utilizada pelos bancos nos atendimentos eletrônicos e extremamente proibida pelo Artigo 39 do Código de Defesa do Consumidor e Artigo 17 da Resolução 2878 do Banco Central do Brasil (BACEN). Nessa mesma perspectiva indico o artigo do conceituado Prof. Rizzato Nunes, que é mestre e doutor em Filosofia do Direito e livre docência em Direito do Consumidor pela PUC/SP e relatou em seu blog uma angústia semelhante e alertou a sociedade sobre a prática negligente do sistema bancário.
• Tarifas Bancárias e Taxas de Juros elevadíssimas
Quantos milhões de brasileiros já ficaram endividados porque não conseguem arcar com os altíssimos juros bancários? Até que ponto os juros e taxas bancárias são socialmente responsáveis se carregam muitos brasileiros ao endividamento? Será que o discurso bancário de crédito consciente e as orientações praticadas pelos gerentes bancários estão sendo suficientes para entregar produtos/serviços verdadeiros e responsáveis que melhorem a qualidade de vida do povo do nosso país? Através desses questionamentos a pesquisadora Ashley (2002) define a “responsabilidade social como toda e qualquer ação que possa contribuir para a melhoria da qualidade de vida da sociedade”.
Vivenciamos um sistema bancário que contribui para o endividamento, entregando para seus correntistas “benefícios” como cheque especial, créditos pré aprovados (com apenas um clique fazem crediários automáticos) e rotativos através de cartões, a taxas elevadíssimas, sem ensinar a seus clientes como verdadeiramente utilizar esses recursos.
O governo tem um papel importante nesse cenário e uma grande parcela de culpa. Se o Estado oferecesse taxas menores através dos bancos oficiais, estariam forçando as instituições bancárias privadas a também baixar suas taxas de juros. De acordo com a Fiesp, as taxas de juros praticadas em nosso país é um dos entraves para torná-lo mais competitivo, dificultando as transações econômicas e encarecendo o custo dos produtos brasileiros até no mercado internacional.
Os bancos conseguem obter lucros, através dos juros e das taxas cobradas pelas transações efetuadas pelos seus clientes. Quem nunca abriu seu extrato bancário e teve uma surpresa diferente? Muitas tarifas são cobradas e nunca foram comunicadas junto aos correntistas. É papel das instituições bancárias informarem antecipadamente sobre remuneração pelo serviço que o banco prestou ao cliente. As práticas de responsabilidade social bancária devem estar amparada por uma comunicação aberta e honesta sem distorcer nenhuma informação.
A Febraban tem um sistema de divulgação de tarifas para que os consumidores saibam os valores das tarifas de produtos e serviços praticados pelos bancos e financeiras. Os clientes podem comparar as tarifas individuais padronizadas pelo Banco Central ou os pacotes de tarifas de produtos e serviços bancários, e ainda realizar simulação de valores. Seu gerente já passou essa informação para você? Tenho certeza que nunca! Então, visite o site www.febraban-star.org.br e confira.
• A Praça
Outra realidade próxima são as agências bancárias localizadas nos centros das cidades brasileiras que servem de abrigo para usuários de drogas, mendigos e pessoas que vivem no cenário de pobreza extrema. O cliente fica impossibilitado de realizar qualquer transação num ambiente hostil, desumano e perigoso. Atualmente é notório que governos sozinhos não conseguem solucionar questões crônicas de habitação e educação. É nosso papel atuarmos em conjunto para enfrentarmos os grandes problemas do mundo e os bancos devem contribuir para mudar esse cenário. Davis (1975) afirma que a empresa tem responsabilidade direta e condições para agir em favor da sociedade à medida que seus negócios geram consequências sociais. Segundo o autor, “há uma férrea lei de responsabilidade afirmando que, a longo prazo, quem não usa o poder de um modo que a sociedade considere responsável, tende a perde-lo”.
• ATMs, Internet Banking e Capital Humano
A evolução da tecnologia e informação está norteando estrategicamente os negócios e a sociedade na virada deste século. Isso não poderia ser diferente para a indústria bancária. O Internet Banking é a maneira mais conveniente, rápida e segura para o cliente realizar transações bancárias. Nessa mesma perspectiva, o cliente vivencia diariamente a inoperância e precariedade dos ATMs (Caixas Eletrônicos) que, por diversas vezes, ficam inoperantes ou sem cédulas.
Recentemente o site da Caixa Econômica ficou fora do ar por mais de uma semana afetando o seu canal de distribuição de serviços bancários online. Devido ao aumento expressivo nos acessos ao ambiente tecnológico a Caixa deixou seus clientes revoltados a ponto de terem que se que dirigir a uma agência ou casa lotérica e enfrentar longas filas. Em tempos de alta tecnologia, é incompreensível este acontecimento. Para Porter (1999), a transformação tecnológica está expandindo os limites das possibilidades das empresas, substituindo o esforço humano por máquinas. No ambiente bancário essas transformações são reais onde pessoas são inseridas nesse contexto complexo e tecnológico sem orientações e estímulos para uso dessas novas ferramentas.
De acordo com Groonroos (1990), o sucesso do self service depende do grau de envolvimento dos usuários e dos benefícios por eles percebidos, devendo estes usuários ser recompensados e motivados por fazerem parte do processo. A partir dessa reflexão podemos dizer que é papel dos bancos oferecer um atendimento humano como suporte e incentivo ao uso do auto atendimento. Na ótica das pessoas, observamos uma filosofia de gestão não humanista, vale ressaltar o “sorriso sem sal” do gerente bancário. Os colaboradores bancários são pessoas que trabalham sob pressão para gerar resultados no curto prazo e que se submetem a condições de trabalho que geram, muitas vezes, doenças ocupacionais graves. Essas pessoas são obrigadas muitas vezes a atingirem metas e acabam “empurrando” produtos/serviços bancários para os seus clientes quebrando qualquer relação de fidelização entre as partes.
Esse é o cenário do discurso social praticado pelos bancos no Brasil
A responsabilidade social empresarial significa uma visão empreendedora que se desenvolve, necessariamente, de dentro para fora das organizações e tem como foco principal uma preocupação como entorno social em que a empresa está inserida. Praticar responsabilidade social é garantir a confiança do consumidor e a percepção da sociedade de que aquela empresa se preocupa com algo maior do que seu próprio lucro. Nesse sentido, ressalto que as instituições bancárias só podem ser consideradas socialmente responsáveis se aplicarem antes do lucro os conceitos de ética, respeito à lei e preocupação ampla dos seus impactos na sociedade. Os filmes dos bancos exibidos nos horários nobres são concepções visuais comoventes e de excelente qualidade que não condiz com as práticas sociais dessas organizações e contrariando os conceitos sobre responsabilidade social expostos nesse artigo.
Enfim, não podemos ser coniventes com atitudes não sustentáveis de instituições financeiras que dizem ser sustentáveis. Ser socialmente responsável significa atender as expectativas sociais, com transparência e coerência entre o discurso e suas práticas. Não há responsabilidade social sem ética nos negócios, é fundamental que haja coerência entre ação e discurso. A partir desses levantamentos é justo questionarmos por onde anda a responsabilidade social dos bancos. Considero louvável a criação e apoio a ONG´s, patrocínios ambientais e culturais, criações de Fundações como uma extensão da marca dos bancos. Mas é necessário que essas organizações entreguem para seus interessados um relacionamento verdadeiro, eduquem seus clientes sobre consumo consciente do crédito, oriente-os sobre orçamento doméstico, ofertem créditos com taxas de juros sociais, ofereçam um atendimento digno, assumam um papel mais amplo perante a sociedade que não somente o de maximização de lucro e incluam a ética como a base para um discurso social.
No livro Marketing 3.0, o autor Philip Kotler destaca que embora o consumidor individualmente seja fraco, seu poder coletivo sempre será maior do que o poder de qualquer empresa. A partir dessa reflexão acredito profundamente nas mídias sociais como uma forma de alertar toda a sociedade sobre discursos vazios e pautados em irresponsabilidade social praticados pelas instituições bancárias em nosso país.
* RSE – Responsabilidade Social Empresarial
Referências
ASHLEY, Patrícia Almeida. Ética e responsabilidade social nos negócios. São Paulo: Saraiva, 2002
Brasil sobe uma posição em ranking de competividade, para 36º, diz Fiesp10. Disponível em: Acesso em 20 de dezembro, 2010
DAVIS, Keith. Five propositions for social responsibility. Business Horizons, v.18, June 1975.
ETHOS, Instituto. O que é Responsabilidade Social Empresarial. Disponível em: Acesso em 10 de novembro, 2010
KOTLER, Philip. Administração de marketing: análise, planejamento, implementação e controle. 5.ed São Paulo: Atlas, 1998.
_______________. Marketing 3.0. Rio de Janeiro: Elsevier/Campus, 2010.
GROONROOS, Christian. Service management and marketing: managing the moments of truth in service competition. Massachussetts: Lexington Book, 1990.
OLIVEIRA, José Arimatés de. Responsabilidade social em pequenas e médias empresas. Revista de Administração de Empresas. V.24, no 4, p. 203-210, out/dez 1984
PORTER, Michael E. Competição: estratégias competitivas essenciais. Rio de Janeiro: Campus, 1999.
PROCON/ES. Telefônicas e bancos lideram reclamações no Procon em setembro. Disponível em: Acesso em 10 de novembro, 2010
PROCON/SP. Cadastro de Reclamações Fundamentadas 2009. Disponível em: Acesso em 10 de novembro, 2010.
SWIFT & ZADEK, 2002. Esse estudo foi organizado por The Copenhagen Centre (TCC), centro autônomo de reconhecimento internacional estabelecido pelo governo da Dinamarca, e AccountAbility, organização não-governamental localizada em Londres e uma das primeiras entidades a lidar com a questão da responsabilidade social corporativa. Simon Zadek é diretor-presidente da AccountAbility e Tracy Swift é diretor de Pesquisa dessa organização. 18 Ibid., p. ii.