Marketing de Serviço: Consulta médica marcada para 2035
O paciente entra no consultório: “Boa tarde, tudo bem? Gostaria de marcar uma consulta com o Dr. Juvenal – Cardiologista”.
A atendente: “Para quando senhor!?”.
O paciente: “Estou com umas dores no peito e gostaria de verificar se existe uma vaga para próxima semana”.
A atendente: “Qual o convênio, senhor”.
O paciente: UNIMED!.
A atendente: “Senhor, deixe-me verificar – olha… para UNIMED.. UNIMED…só mais um momento… só vamos ter disponibilidade em Janeiro de 2035”.
O paciente: “Como assim para 2035!?”.
A atendente: “Sim, senhor essa é a disponibilidade do médico. Próximoooooooooooooo! O senhor é particular, sente ali que o médico já já vai atendê-lo.”.
* Esse colunista é cliente da UNIMED e já vivenciou momentos semelhantes ao ilustrado – morosidade ou impossibilidade para aprovação de procedimentos médicos e negação de cobertura ou reembolso; Para o atendimento nos consultórios médicos é uma raridade encontrarmos atendentes dispostos a manter um relacionamento respeitoso com os consumidores – geralmente essas pessoas são mal humoradas, sem sorriso e despreparadas.
Todos os usuários de planos e seguros saúde no Brasil estão vivendo momentos de angústias. É visível o descaso dessas empresas com os médicos, clientes e todos os outros interessados. Os médicos estão sendo tratados de forma aviltada – com pagamento de valores insignificantes por consultas e procedimentos cirúrgicos descaracterizando uma relação digna entre o profissional e o serviço prestado. Dentro desse cenário não adianta a Agência Nacional de Saúde aplicar normas estimulando as operadoras de planos de saúde a promover o credenciamento de prestadores de serviços, inclusive médicos, que fazem parte de área de cobertura acordada com os clientes – tentando assim garantir que o beneficiário tenha acesso a pelo menos um prestador de serviços da especialidade que necessita, em tempo determinado. As medidas da ANS não minimiza a relação entre paciente-médico.
Os contratos entregues por estas empresas para seus clientes e médicos são extensos e carregam uma relação unilateral – mesmo com a clareza da lei, as operadoras são conhecidas pelas práticas irresponsáveis e que agridem a relação de consumo, fato comprovado em vários tribunais do país, noticiário e relatos de beneficiários. Outro grande abuso é a transferência da responsabilidade única e exclusiva para os médicos. Alguns médicos são ameaçados de descredenciamento pelas operadoras, o que reduz a competição no setor e leva a negociações mais favoráveis aos planos de saúde. O consumidor é um dos agentes mais lesados porque os médicos se descredenciam das operadoras e ele acaba pagando consultas e outros procedimentos no modelo particular – duplicando assim as despesas com saúde. Atualmente os planos e seguros de saúde não estão preocupados com a qualidade de vida dos seus beneficiários.
O atendimento é precário, os processos de ressarcimento dos serviços são morosos ou não acontecem e a lista de médicos cooperados cada vez mais diminui. A intenção estratégica dessas empresas não condiz com a entrega do serviço e relação verdadeira com seus stakeholders. Segundo Gallo (1996), a cultura de uma organização é resultado de sua história e da interação entre seus membros. Cabe às organizações de planos e seguros de saúde manter um relacionamento adequado com os diferentes grupos de stakeholders. Distintos aspectos devem ser considerados para identificar o grau de atendimento que deverá ser direcionado aos diversos interesses. Diversos autores, entre eles Wood (1990), Weiss (1998) e Frooman (1999), referem-se à definição de stakeholders, sugerida por Freeman (1984) que é amplamente utilizada: “stakeholders são indivíduos ou grupos que podem influenciar ou serem influenciados pelas ações, decisões, políticas, práticas ou objetivos da organização”. A ideia central da abordagem de stakeholders é que o sucesso das organizações depende da forma como gerenciam as relações com os grupos (clientes, fornecedores, comunidades, investidores e outros) que podem afetar a realização de seus objetivo.
Marketing de Serviço
O serviço, por ser intangível, tem de ser experimentado pelo cliente para que ele o conheça. No caso dos planos de saúde a tangibilização/experimentação do serviço passa a ser dolorosa – devido às dificuldades para marcação de consultas/exames, morosidade ou impossibilidade para aprovação de procedimentos médicos, negativa de cobertura ou reembolso, alterações na rede credenciada sem aviso prévio, desrespeitos com idosos e outros clientes-alvos e ausência de uma relação verdadeira com os médicos. As ações de pós-venda é essencial e têm um efeito significativo na fidelização dos clientes.
Berry e Parasuraman (1995) enfatizam que os serviços têm que ser precisos e bem feitos da primeira vez para conquistar a fidelidade do cliente. A confiabilidade é a capacidade de prestar o serviço prometido de modo confiável e com precisão, é o coração do marketing de serviços. Além da confiabilidade, há mais quatro dimensões que determinam a qualidade do serviço na percepção do cliente: 1) a tangibilidade representada pela aparência física de instalações, equipamentos, pessoal e materiais de comunicação; 2) a sensibilidade , marcada pela disposição dos atendentes em ajudar o cliente e proporcionar com presteza o serviço; 3) a segurança adquirida pelo conhecimento e pela cortesia de empregados e 4) a empatia percebida pela atenção e o carinho individualizados proporcionados aos clientes. Para atacar as dificuldades peculiares dos serviços e evitar falhas é preciso desenvolver diversas atividades, divididas em três grandes categorias: 1) propiciar a liderança do serviço; 2) testar e retestar inteiramente o serviço; e 3) alimentar uma infra-estrutura organizacional para o serviço sem erro.
Para Porter (2006), os consumidores, na condição de clientes de planos de saúde e pacientes, deveriam ser os beneficiários finais do valor entregue pelo sistema. Os esforços de vendas e marketing dos fornecedores de saúde são muito mais focados em volume do que em valor para o paciente. Médicos que atendem através de planos de saúde – carregam cada vez mais um serviço focado em atendimentos rápidos, sem uma análise clínica detalhada e com baixa qualidade.
Portanto, os planos de saúde no Brasil continuam praticando um desserviço. Os consumidores necessitam de planos que aceitem responsabilidade pela sua saúde como um todo e assuma uma perspectiva de longo prazo em relação às escolhas de prestadores e tratamentos. Um relacionamento de longo prazo entre o plano e seus membros fomenta esse alinhamento de interesses. Ficamos à mercê de um sistema de serviço de saúde público e privado doloroso e mortal.
BERRY, L.L. & PARASURAMAN A. Serviços de Marketing: competindo pela qualidade. São Paulo: Maltese, 1995.
FROOMAN, Jeff. Stakeholder influence strategies. Academy of Management Review. v.24, n.2, p. 191-205, 1999. WEISS, Joseph W. Business Ethics: a Stakeholder and Issues Management Approach. 2ª. ed. Forth Worth, Texas: Dryden Press, 1998.
FREEMAN, R. Edward; PHILIPS, Robert A. Stakeholder theory: a libertarian defense. Business Ethics Quaterly, v. 12, n. 3, p. 331-349, 2002.
GALLO, Edmundo, VAITSMAN, Jeni, CAMPOS, Antonio C. Gestão Inovadora e Cultura Organizacional. COSTA, N.R. E RIBEIRO. J.M. (org). Política de Saúde e Inovação Institucional. Rio de Janeiro, ENSP/FIOCRUZ, 1996.
PORTER, M. E; TEISBERG, E. O. Repensando a saúde: estratégias para melhorar a qualidade e reduzir os custos. São Paulo: Artmed, Bookman, 2006
WOOD, Donna J. Business and Society. Pittsburgh: Harper Collins, 1990.